“Tudo o que fazemos, tudo o que somos, começa e termina com nós mesmos.”
Produtora: Ubisoft Montreal
Publisher: Ubisoft
Plataformas: PC, Playstation 4, Xbox One
Versão jogada para análise: PC
Como já é tradição, todo fim de ano temos um novo Assassin’s Creed. Acredita que, com Unity, temos sete Assassin’s Creed exclusivos de consoles de mesa (com o oitavo já lançado também esse ano, para Playstation 3 e Xbox 360: Assassin’s Creed Rogue)? Será, então, que o número sete, tão cabalístico, tão simbólico, cheio de significados, veio para o bem ou para o mal da série?
Égalité!
Assassin’s Creed Unity se passa completamente na França, na maior parte do tempo durante períodos da Revolução Francesa, especialmente o do Terror.
É difícil pensar em outro momento mais precioso do que este para um Assassin’s Creed. As Cruzadas são muito legais, o Renascimento também, a Revolução Americana é importantíssima para os rumos da História e a era de ouro da pirataria é fascinante... mas o peso da Revolução Francesa é enorme. Pense, é o consenso entre várias escolas historiográficas que, a partir da Revolução Francesa, temos o fim da Era Moderna (a do Ezio) e o início da Era Contemporânea (a do Desmond, ou seja, a nossa).
Bom, tendo uma parte histórica tão forte assim, é de se esperar que a Ubisoft, que sempre fez reconstruções históricas interessantíssimas, que servem tranquilamente de gatilho para jovens desinteressados começarem a pesquisar sobre as épocas retratadas em Assassin’s Creed, fizesse um bom trabalho nesse ponto, em especial porque a própria produtora é francesa. Infelizmente, não foi o que aconteceu.
Todo esse peso, esse pano de fundo histórico, foi deixado meio de lado. Sim, é muito legal andar pela rua e ver protestos, placas, pessoas entoando hinos e cantorias, mas, sinceramente, o jogo falha em mostrar o motivo de tudo isso.
Encarnamos Arno Dorian, um membro da nobreza local, que desde a morte de seu pai, quando pequeno, foi criado por um outro nobre. O jogo propriamente dito, depois de jogarmos uma parte na França medieval, sobre Jacques DeMolay, e depois de uma pequena parte com Arno criança, começa sem mostrar muito do que era a França prestes a iniciar a Revolução.
Dificilmente ouvimos a palavra “fome”, a palavra “pão”, tão estigmatizadas em livros de História. O jogo, nesse ponto, parece até uma releitura da História em si, omitindo muita coisa, até que a Revolução propriamente dita começa e os participantes acabam parecendo um bando de baderneiros sem causa. É muito estranho, também, a posição dos Assassinos de apoiarem a Monarquia da época, que sabe-se que, enquanto o povo passava fome, ficava banqueteando em palácios luxuosos.
Não que em algum momento a violência desmedida, simbolizada pelas guilhotinas decepando cabeças por Paris, devesse ser alvo de elogios por parte do jogo. Mas aqui claramente a Ubisoft decidiu-se por, estranhamente, apoiar a monarquia da época.
O jogo acaba se focando demais na vida de Arno e seu envolvimento com Elise, seu par romântico e bélico. A história dos dois é praticamente um Romeu e Julieta, uma paixão proibida, e bastante clichê. Vou confessar aqui que nunca achei os enredos centrais dos personagens de Assassin’s Creed lá essas coisas (com a exceção de Assassin’s Creed III e Assassin’s Creed IV Black Flag, que têm histórias fascinantes) e, talvez por isso, eu tenha criado o hábito de sempre olhar o pano de fundo histórico magistralmente costurado pela Ubisoft e deixado um pouco as idas e vindas do destino dos personagens de lado, fazendo vista grossa para eles.
Infelizmente, em Unity, a coisa se inverte e temos uma Revolução mal explicada, mal contada e pendendo para um lado. Comparando com Assassin’s Creed III, que, para mim, é o melhor exemplo de uma reconstrução histórica fantástica da época, Arno nem parece se envolver na Revolução, enquanto Connor praticamente a faz. Ambos têm uma história de vingança, porém a do nativoamericano é completamente entrelaçada com os eventos históricos retratados – a Revolução Americana -, enquanto Arno nem parece saber o que está fazendo por ali, só pensando em sua vendeta pessoal.
É muito legal ver mais uma vez o clã de Assassinos bem estruturado e em evidência, depois de Assassin’s Creed III (onde tínhamos basicamente somente Aquiles e Connor) e Black Flag (onde o credo nem era tão importante assim), mas eles acabam parecendo um pouco apáticos, talvez até mesmo pelo pouco que se envolvem de fato com a revolução em si.
É claro que as bases de dados de fatos, personagens históricos e locais são muito bem informativas, mas senti muita falta da história acontecer em movimento. Temos a Queda da Bastilha, uma decapitação muito famosa, e alguns outros eventos acontecendo, mas tudo parece tão distante, tudo tão focado na vingança de Arno, que é muito desperdício de um momento histórico importante.
Liberté!
No entanto, Assassin’s Creed Unity é claramente um avanço em mecânicas para a série. Para uma franquia com um jogo por ano, sempre ressalto que os jogos têm bastantes inovações e mudanças entre um e outro (até mesmo porque o período de produção é maior do que somente um ano para cada jogo, como afirmado pela própria Ubisoft em várias ocasiões).
Agora temos um Arno que agacha, por exemplo. Só isso já seria uma enorme adição à série por si só, visto que, como o jogo sempre teve em suas bases uma jogabilidade furtiva, era bastante estranho nenhum assassino ter um comando de agachar para andar de fininho. Unity dá essa liberdade ao jogador, finalmente, deixando esse tipo de estratégia mais fidedigna.
Um dos motivos disso, talvez, é a ausência daqueles matinhos existentes desde o III, onde Connor e Edward se agachavam e ficavam escondidos. Como também podemos agora entrar em muitas construções e várias missões envolvem isso, o level design está mais baseado em objetos como sofás, mesas e etc espalhados por aí. Arno tem até botão de cover, para se mover entre obstáculos.
Outra evolução excelente é que agora temos um botão de escalar para cima e de escalar para baixo, facilitando o personagem de entender o que realmente queremos fazer. Ainda temos alguns problemas de movimentação, mas em bem menor quantidade do que antes.
E adicionando um “elemento de RPG” no jogo, temos também customização relevante de equipamentos do personagem, aumento de nível, ampla possibilidade de escolha de armas, rankings de “Assassino” conforme cumprimos missões com maestria, etc. Isso é interessante, pois adiciona motivos para conseguir mais dinheiro no jogo e fazer missões paralelas e também cooperativas, além de buscar coletáveis.
E já que o assunto é dinheiro, já é bom adiantar: sim, temos microtransações em Assassin’s Creed Unity. E, mais uma vez, assim como nos anteriores, não é nem um pouco necessário obtê-las. Elas oferecem créditos Helix, que funcionam como dinheiro no jogo para obtenção de qualquer coisa. É muito fácil de se ganhar dinheiro no jogo, e mais uma vez, as microtransações ficam, ou para milionários que não têm onde enfiar o dinheiro, ou para pessoas que não querem ganhar dinheiro por pura preguiça de explorar o mapa ou de comprar clubes (que adicionam dinheiro de tempos em tempos no cofre do Café Teatro de Arno, que também vai revertendo muitos fundos para o jogador que o reforme). É uma tática ruim para os videogames? Sim, é, mas dá para se terminar 100% do jogo facilmente sem nem pensar em comprar 1 centavo em microtransação.
Essa customização e aumento de nível se mostra extremamente necessária para o jogador, pois dessa vez, finalmente, temos algum desafio nas batalhas. Arno é muito suscetível às investidas dos inimigos e dessa vez enfrentar grupos de mais do que três ou quatro é muito difícil de sair vivo. A variedade de adversários não é grande, mas a intensidade dos duelos melhorou. Na maioria das vezes, ser furtivo (e sair correndo se for pego) é a melhor opção. Mas, quanto mais forte estiver, mais tranquilamente Arno enfrentará seus inimigos e terá muito mais resistência.
Temos bastantes habilidades para serem adquiridas também, que são obtidas com pontos de experiência, que são ganhos conforme vamos progredindo no jogo e fazemos missões cooperativas. Acho um pouco bobo, no entanto, ter que comprar uma habilidade de “matar dois inimigos caindo sobre eles”, que era padrão de termos desde o início do jogo desde Assassin’s Creed II de Ezio com suas duplas lâminas escondidas.
E falando em lâminas escondidas, Arno tem uma arma diferente dos outros: a Phantom Blade, uma espécie de mini besta acoplada à hidden blade original dos Assassinos, que atira lâminas em alta velocidade para uma morte limpa e silenciosa, de longe, ou deixa os inimigos envenenados e atacando seus companheiros, como os dardos ensandecidos de Assassin’s Creed IV Black Flag. Interessante adição, e no começo a recarga dessas lâminas são bastante caras, mas Arno vai ficando muito rico e tendo muitos fundos gerados conforme o tempo passa, o que deixa com que elas fiquem baratas.
A maior evolução, no entanto, fica por conta das missões principais de assassinato. Toda a liberdade que sempre quisemos em Assassin’s Creed está aqui. Missões que mudam conforme suas atitudes (não há mais dessincronização porque te acharam na missão de assassinato, por exemplo – mas há algumas outras missões que têm represálias e condições que devem ser seguidas), várias entradas para os esconderijos, várias estratégias que podem ser tomadas... isso sim é o legado que Assassin’s Creed Unity vai deixar para os futuros jogos da série, que devem, agora, refinar essa liberdade ainda mais.
Temos várias missões paralelas, algumas coisas novas para se fazer no mapa, e várias tradições da série (como subir em view points para sincronizar o mapa). Unity é um Assassin’s Creed muito mais tradicional em sua estrutura do que foi Black Flag, que era focado demais em ser um pirata, e não um assassino (e mesmo assim é o meu jogo favorito da série).
Não sou um grande fã de customização em excesso, especialmente porque sempre gostei de ter uma túnica única para os assassinos de cada jogo da série. Unity faz certo, mas acaba deixando de lado essa parte estética, mesmo com as roupas e acessórios sendo extremamente bem feitas e detalhadas, e só no fim descobri que mesmo modificando, poderia utilizar o traje “oficial” de Arno sem perder os atributos adquiridos pela compra e equipagem de outras partes de roupas!
E um dos maiores focos da Ubisoft durante a publicidade do jogo foi o componente online. Temos várias missões cooperativas espalhadas e todas são bem legais de serem jogadas... com amigos. Sinceramente, quando joguei com pessoas que eu nem conhecia e com quem não estava conversando na hora, fazendo as estratégias juntos, não consegui achar lá tão legal, porque vira uma bagunça, um cada um por si, e não uma cooperação mais bem definida. É muito bacana, sim, mas talvez em uma próxima possa haver uma melhor estruturação para as partidas públicas do modo cooperativo. No entanto, é certamente um bom começo para outro modo de se jogar Assassin’s Creed (e eu quero o modo competitivo de volta, era tão legal!).
Fraternité!
Tecnicamente, Assassin’s Creed Unity foi um desastre e continua sendo até o momento em que essa análise está sendo escrita. Jogando em um PC com os atributos recomendados (especialmente uma placa de vídeo da GeForce) confesso que não tive problemas com framerate e só tive três bugs que me fizeram reiniciar o jogo (ou ter que fazer uma viagem rápida para outro lugar do mapa). Mas não se pode ignorar a comunidade do jogo que sofreu com tudo isso.
A Ubisoft lançou o primeiro Assassin’s Creed da nova geração com problemas horrorosos em todas as plataformas e hoje, mais de um mês depois do lançamento, ela já lançou quatro patches de correção, praticamente um por semana, e ainda temos muitos caminhos a serem seguidos até que o jogo esteja cem por cento (e confesso que acredito que Assassin’s Creed Unity jamais estará uma excelência técnica, venham quantos patches vierem).
Foram incontáveis as vezes em que li alguma matéria que começava com “Fulano de tal, da Ubisoft, pede desculpas pelos problemas de Assassin’s Creed Unity”. Isso é nocivo para a série e o jogo já está manchado para sempre por isso. Não sei os motivos, mas parece que o jogo sendo gigantesco, cheio de personagens com vida própria e também um prazo para lançamento, fizeram o jogo ser lançado como uma bomba, com muita gente não podendo jogar. Destaco os jogadores que têm placas de vídeo da AMD, que sofreram (e ainda devem estar sofrendo) para jogar (mas isso eu já acho que nem é problema de compatibilidade, mas sim algum embargo da NVidia, parceira da Ubisoft em seus últimos jogos, mas fica aqui somente a teoria da conspiração minha).
No entanto, Assassin’s Creed Unity é lindo e maravilhoso. Gráficos exuberantes, arquitetura cheia de detalhes, excelentes expressões faciais e texturas de brilharem os olhos, fica difícil achar que o jogo teve falta de carinho em sua produção. Tudo o que é visível em Unity é bonito e bem detalhado, desde o esvoaçar das roupas de Arno (e que movimentação fluída tem esse personagem, quantos movimentos diferentes, especialmente na hora de pular de prédio a prédio!) até os detalhes do pilar de Norte-Dame, tudo isso coroado por uma iluminação maravilhosa, especialmente no entardecer, onde tudo parece ficar ainda mais vivo.
Quanto à parte sonora, temos uma boa trilha, porém muito tímida, a mais tímida de todos os jogos. Um problema a ser corrigido, e um padrão que vários jogos andam tomando, deixando de lado uma música em exposição em prol de alguma “imersão”, que aconteceria de forma muito mais natural e incrível se houvesse uma trilha de fundo.
La liberté ou la mort!
É muito estranho gostar tanto de um jogo tão problemático quanto Assassin’s Creed Unity. A Ubisoft foi muito mal nessa de lançar o jogo completamente quebrado, indo remendando depois (ao menos ela está remendando [ou tentando]). A mácula no jogo será lembrada para todo o sempre, e esse fato acaba afastando potenciais novos jogadores da franquia.
Muitos problemas, mas muita evolução é percebida, na movimentação, na estrutura das missões e no combate. Voltar à Europa depois de dois jogos focados nas Américas é muito bom, e o jogo todo tem um ar de Trilogia Ezio. Arno é um bom personagem, porém completamente desperdiçado em um enredo bobo e pouca interação com os eventos históricos que o jogo procura abordar.
No fim das contas, a pergunta que nunca quer calar quando um novo Assassin’s Creed é lançado: será que a Ubisoft deve continuar com a série anual? Meu lado de fã incansável dessa franquia diz que sim, por favor, Ubisoft, me mande outro Assassin’s Creed para eu jogar, adoro todo ano ter um novo jogo da série. No entanto, depois de tantos problemas, tantos tropeços que o jogo teve tecnicamente, que o meu lado de apenas mais um jogador de videogame, é que, se for para lançar novamente um jogo desse jeito, que fiquem polindo por mais um ano, se necessário.
O melhor: As evoluções sensíveis na jogabilidade para o futuro da série.
O pior: Bugs, problemas com framerate, e tudo mais que atrapalhe ou impeça uma qualidade plena de gameplay.
Nota: 6,5/10,0 (Que comam brioches!)
http://jogadorpensante.com/2014/12/18/netos-review-assassins-creed-unity/
http://jogadorpensante.com/2014/12/18/netos-review-assassins-creed-unity/