"NÃO EXISTE IMPEDIMENTO PARA ESTABELECER A FRANQUIA DE DADOS."
O Adrenaline conversou com Augusto Drumond Moraes, representante da assessoria da Anatel, que nos informou que não há impedimento algum, na norma, para que as operadoras estabeleçam um limite para sua franquia de dados.
A resolução de número 632 do Regimento Geral de Diretos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) da Anatel já prevê a estipulação de franquias que podem ser acordadas entre a operadora e o cliente, sem a especificação do serviço, o que significa que elas podem ocorrer em qualquer um dos serviços oferecidos por uma determinada operadora. As únicas restrições estabelecidas pelo regimento é de que essas franquias devem ser devidamente informadas aos clientes e que as operadoras são obrigadas a oferecerem ferramentas para que seus usuários acompanhem o uso de dados. As empresas também são obrigadas por lei a avisar quando seus clientes estão próximos de alcançar o máximo de suas franquias.
Mas isso pode vir a ser vantajoso para o cliente? Essa é uma pergunta que o porta-voz da Anatel, em caráter oficial, não responde. Carlos Baigorri, superintendente de competição da agência chegou a afirmar na semana passada que:
"NÃO EXISTE UM ÚNICO CONSUMIDOR, ENTÃO PARA QUEM ESTÁ ABAIXO DA MÉDIA, CONSOME MENOS, O LIMITE É MELHOR. E PIOR PARA QUEM CONSOME MUITO"
Perguntado para esclarecer melhor a declaração, o assessor disse que essa é uma afirmação pessoal de Baigorri, no exercício da função dele, e não da agência em si. O porta-voz afirma que a Anatel não tem meios de especular sobre potenciais vantagens ou desvantagens do formato para os clientes. De fato, apesar de Baigorri falar de uma "média" de consumo de dados, a Agência não tem essa informação. Segundo assessoria: "não dispomos de estudo ou informação de quantos GBs um usuário médio utiliza por mês de banda para download."
E as declarações do Ministério Público e da Proteste?
Quem está acompanhando o caso sabe que o Ministério Público exigiu um esclarecimento das operadoras, sob a voz do promotor público Paulo Binicheski, e a Associação Brasileira de Defesa ao Consumidor Proteste se declarou veementemente contra a mudança, cobrando ação por parte da Anatel. Em ambos os casos é citado o inciso IV do artigo 7º do Marco Civil da Internet brasileiro que estipula:
Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização
Para a Anatel, entretanto, o texto do Marco Civil não se sobrepõe a um acordo previamente estabelecido entre operadora e cliente. As empresas têm autonomia para determinar como se dá o seu serviço e o usuário, devidamente informado, decide se aceita ou não. É o que já acontece com os dispositivos móveis, e a agência não vê diferença.
"É QUE NEM COMPRAR ÁGUA. VOCÊ COMPRA UMA QUANTIDADE, SE ACABAR, VOCÊ VAI PRECISAR COMPRAR MAIS."
O que as operadoras querem
Segundo informações do Tecnoblog, o plano da Vivo para implementar franquias contaria com as seguintes limitações:
- Banda Larga Popular 200 kb/s: 10 GB
- Banda Larga Popular 1 e 2 Mb/s: 10 GB
- Vivo Internet 4 Mb/s: 50 GB
- Vivo Internet 8 e 10 Mb/s: 100 GB
- Vivo Internet 15 Mb/s: 120 GB
- Vivo Internet 25 Mb/s: 130 GB
O planejamento da Vivo, e inclusive postagens da empresa em redes sociais, indicam que o objetivo é implementar essas franquias até o final do ano. Até lá, essas limitações não seriam aplicadas aos consumidores "de forma promocional", porém já estão previstas nos contratos feitos a partir de 5 de fevereiro.
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Afinal, quanto consumimos?
Fizemos uma experiência para determinar quanto um usuário pode consumir de sua franquia em atividades como navegar na internet, ver vídeos, jogar online e baixar games. Dentro de nossos resultados, que vocês podem ver na íntegra nesse link, levantamos três perfis de uso em um computador:
- Perfil de uso leve: 4 horas de navegação na web e um episódio de Netflix por dia
- Perfil de uso intermediário: 4 horas de navegação web, 1 hora de Youtube e um episódio de Netflix por dia. Dois games baixados por mês
- Perfil de uso avançado: 8 horas de navegação web, 2 horas de Youtube, dois episódios de Netflix e oito jogos baixados por mês.
Nessa progressão, teríamos os seguintes consumos mensais (arredondando valores para melhor visualização):
-Perfil de uso leve: (1.600 MB navegação cotidiana + 1.100 MB de Netflix) x 30 = 78 GB por mês
-Perfil de uso intermediário: (1.600 MB navegação cotidiana + 1200 MB Youtube + 1100 MB Netflix) x 30 + 40 GB = 157 GB
- Perfil de uso avançado: (3.200 MB de navegação cotidiana + 2.400 MB + 2.200 MB) x 30 + 160 GB = 394 GB
Era do streaming e a necessidade de dimensionar
Nossa experiência anterior traz a tona quem é o responsável por toda essa discussão: o streaming. A ascensão de plataformas de vídeo transmitidos através da web mudou o perfil de consumidor, e as operadoras estão buscando formas de lidar com a nova realidade.
Para quem não conhece o processo da venda da banda larga, funciona da seguinte forma: as operadoras possuem uma estrutura local e vendem os planos. Apesar de, no contrato, você possuir uma determinada velocidade contratada, praticamente nenhuma operadora conseguiria entregar essa velocidade máxima a todos ao mesmo tempo. Isso não é ilegal e inclusive há valores que as operadoras precisam atingir dentro de sua franquia, algo que deve ser em média 80% do que foi contratado e no mínimo 40%, definido pela ANATEL.
Aí surge a raiz do problema: naturalmente é impossível que toda a base instalada de consumidores decida ao mesmo tempo usar toda sua capacidade de banda. Isso cria margens que possibilitam a inscrição de novos clientes, que somados ficariam acima da capacidade da estrutura disponível se acontecesse esse alinhamento de consumo improvável. Do lado da operadora isso é benéfico ao aumentar sua renda com mais consumidores, e em contrapartida o consumidor tem acesso a planos mais baratos disponíveis através dessa otimização da estrutura.
Mas esse equilíbrio foi quebrado com o crescimento de serviços como Netflix, YouTube e Twitch. Com o aumento acelerado do consumo de banda dos usuários, as operadoras passaram a ter um problema com o dimensionamento da rede, em um contexto onde todos consomem mais que antes e alguns (esses que emendam maratonas de series uma após a outra) agora consomem MUITO mais que antes.
Estudando as opções, fica evidente que todas elas atingem os consumidores de alguma maneira. Um plano de ampliar a estrutura para comportar o novo perfil de consumo evidentemente acarretaria investimentos que seriam repassados para os consumidores. A outra opção, que algumas operadoras começam a indicar como sua saída, é redimensionar a rede para controlar melhor as desigualdades entre os usuários, punindo quem exagera sem atingir quem tem um uso mais ponderado da internet. A segunda opção parece justo, mas aqui vai o nosso porém.
Conclusão
Ao analisarmos a situação, fica evidente que o maior problema na iniciativa das operadoras em limitar nossas franquias de internet é a desinformação. O principal discurso é que limitar o consumo de dados iria redimensionar melhor a rede, penalizando em uma ponta o usuário que consome em excesso a banda mas, em contrapartida, sendo mais justo com quem tem um consumo mais controlado de internet. O que torna a ação controversa é que nós não sabemos quem são essas pessoas, e o que é "consumir demais ou de menos".
Considerando nossos testes, que utilizaram o consumo de APENAS UM COMPUTADOR na rede, que obviamente terá mais dispositivos conectados, fica evidente que os planos com franquias muito limitadas têm potencial de PENALIZAR PRATICAMENTE TODOS OS CONSUMIDORES. Mesmo o plano da Vivo com maior quantidade de franquia disponível (130GB) pode ser facilmente atropelado em diversos dos perfis que levantamos. O limite de 10GB chega a ser risível.
A IMPRESSÃO QUE FICA SOBRE AS LIMITAÇÕES DE FRANQUIA, COM O ESTÁ, É QUE ELAS SÓ VÃO BENEFICIAR AS OPERADORAS
O maior problema de todo esse processo é uma falha histórica das operadoras: a falta de transparência. A forma como as primeiras operadoras indicam que pretendem realizar a limitação das franquias é muito unilateral e com pouco respaldo para os consumidores sobre o que está acontecendo. Para os consumidores, a bronca é justa: da perspectiva do cliente, ele agora vai pagar o mesmo por um serviço que vai oferecer uma restrição que não havia antes.
As operadoras, como toda empresa, tentam sempre destacar vantagens, existindo ou não, para os clientes quando elas anunciam esse tipo de mudança. Fica difícil então saber o real motivo para essa movimentação estar acontecendo agora, mas a ascensão do streaming como Netflix, YouTube ou TwitchTV é sempre mencionada quando discutimos o assunto. Por isso separamos um post em especial na nossa parte de opinião para especular porque a limitação de franquias pode estar acontecendo agora.
http://adrenaline.uol.com.br/2016/03/30/41079/as-operadoras-podem-sim-definir-uma-franquia-de-dados-para-sua-conex-o--entenda-o-que-isso-signific