Ah, Watch Dogs… digo, Watch_Dogs. Quem não se lembra do trailer mais fantástico da E3 de 2012? Uma fluidez impecável, gráficos de cair o queixo, desempenho além da geração do Playstation 3 e Xbox 360. Watch_Dogs, na época, prometia ser o maior passo já dado para a próxima geração de consoles (hoje é a nossa atual, do Playstation 4 e Xbox One, além do atemporal PC). Mas será que tudo foi cumprido, quase dois anos (e uns quatrocentos e oitenta e quatro trailers) depois?
A Máquina
Watch_Dogs traz a nós Chicago, uma das cidades mais conhecidas dos Estados Unidos, controlada por um poderoso sistema de vigilância: o ctOS, um poderoso sistema operacional que te espiona a toda hora e o dia todo, por câmeras, celulares, dispositivos de escuta e tudo mais que apresente uma conexão à rede da cidade.
A história pessoal de Aiden tenta a todo o momento emocionar o jogador. E falha todas as vezes. A história cheia de arrependimentos e permeada de vingança planejada do personagem é fraca e sem muito apelo, e isso principalmente por causa do próprio protagonista: ele não tem carisma algum.
A Ubisoft tentou criar um personagem que me lembrou um Max Payne sem carisma algum. Pearce está sempre fazendo comentários que beiram a filosofia sobre ser vigiado, sobre vingança, sobre o que fizeram com sua família, tudo naquela voz meio grave que gostam de colocar nos personagens que pensam alto em jogos. No entanto, Max Payne, apesar de amargurado, é um personagem que transborda carisma por todos os bolsos de seu sobretudo, enquanto Pearce só é chato e desinteressante.
Há alguns personagens interessantes, no entanto, como T-Bone e Clara, que possuem bastante carisma, exatamente por fazerem o que seria mais esperado de um jogo cheio de tecnologia: mercenários virtuais, prontos para passar pelas brechas do ctOS. Penso que a trama seria muito mais interessante se fosse dessa forma, derrubar políticos corruptos um a um, enfrentar um hacker inimigo e ir tomando a central de comando da ctOS.
Infelizmente a Ubisoft preferiu trazer mais um drama pessoal. Isso serviu bem em Splinter Cell Conviction, com Sam Fisher furioso. Aiden, no entanto, não aparenta essa raiva toda, apesar do jogo tentar passar isso. Até mesmo os vilões principais são mal construídos, e talvez isso tenha ajudado na animosidade do enredo geral.
Tudo está conectado
Felizmente não é de enredo que um jogo se vale. Watch_Dogs é uma experiência de mundo aberto que tenta ser Grand Theft Auto com controle do ambiente. Ao progredir no jogo, novos hacks vão sendo liberados e a cidade fica cada vez mais interativa.
Ao toque de um botão, atentando-se ao timing, Pearce hackeia a rede do ctOS para causar explosões, levantar pontes, subir bloqueios na estrada, abrir sinais para causar acidente, fazer um apagão na cidade… de início parece bastante limitado, mas conforme vamos liberando os hacks ao subir de nível, a cidade fica na ponta de nossos dedos.
Vi algumas críticas a respeito de o jogo ser bastante “Press X to hack”. Essa crítica, no entanto, me parece equivocada ou apenas isca de troll. O que esperavam? Meia lua pra trás + soco forte para hackear? A simplicidade de hackear é devido, principalmente, à agilidade que deve ser aplicada para isso funcionar. Isso depende do momentum, há a hora certa de se hackear um dispositivo, visto que, uma vez que isso foi feito, não poderá ser refeito, ao menos não na mesma hora, na mesma missão.
O hackeamento é satisfatório no fim das contas, mas leva tempo para ser totalmente liberado. Saber utilizar as várias câmeras de segurança e o momento certo de explodir uma caixa de disjuntores para matar um ou vários inimigos é uma experiência divertida.
Smartphone Bombril
Pearce é um personagem que se vale muito mais de um smartphone na mão do que de um .38 engatilhado. Com um telefone é possível fazer de tudo: acessar as estatísticas, entrar no GPS, escutar músicas (é bem legal poder ouvir música pela rua, e não somente dentro de carros), pedir um carro…
Aliás, essa de pedir um carro é bem legal. Além de ser um incentivo para o jogador dirigir mais carros diferentes para que este seja liberado, fora de missões poder escolher qual carro queremos para dirigir é algo a ser investido. Ao pedir o carro desejado, próximo do local da ligação ele é entregue.
O melhor do smartphone é, no entanto, o perfilamento de cidadãos. Andar pelas ruas de Chicago se torna uma experiência diferenciada ao verificar que cada cidadão ali é único. Todo mundo é perfilado, com descrições de suas atividades e rendas. E várias vezes podemos hackear o dispositivo móvel destes transeuntes para obter informações de sua conta bancária (e depois sacar o dinheiro em um caixa eletrônico), ler mensagens que estão sendo trocadas ou ouvir conversas, que podem, muitas vezes, levar a missões curtas de crimes que estão para serem cometidos em algum lugar da cidade.
O smartphone também é uma importante arma contra inimigos. Fugir de um lugar sorrateiramente? Use a ferramenta apagão e saia de mansinho. O inimigo tem uma bomba que pode ser ativada digitalmente? Ative-a e veja-o voar pelos ares. Quer criar uma distração? Ative o alarme do carro mais próximo ou cause um ruído ensurdecedor no headset alheio.
Muito tiro e nenhum soco
Aiden possui um bom arsenal à sua disposição: rifles, pistolas, shotguns, granadas, bombas de proximidade, entre outros… além de uma ferramenta de isca, que produz um som para os inimigos saírem do caminho por alguns momentos para investigar.
Como o já citado Max Payne, Aiden tem a habilidade de bullet time, aqui chamado de Foco, que se recupera automática e lentamente, ou pode ser reposto com o uso de pílulas. O efeito é legal e auxilia bastante, além do que é muito bacana ver até os pingos da chuva ficarem estáticos com o Foco ativado.
O tiroteio é simples como qualquer TPS moderno, com o cover, porém é implementado com a interação do cenário com objetos que explodem, outros que fazem a energia cair, distrações a serem feitas (para a parte stealth principalmente), possibilidade de hackear dispositivos dos inimigos, como bombas (já citado).
No entanto, um grande erro do jogo é Aiden não ter nenhuma habilidade melee a não ser fazer uma derrubada quando próximo de algum inimigo. Por algum motivo obscuro é impossível desferir um soco no jogo e isso faz bastante falta, especialmente quando andando livremente pela cidade, jogando “para zoar”. É impossível brigar corpo-a-corpo no jogo, mas é possível dar tiros em qualquer um… no mínimo uma decisão espalhafatosa.
Chicago
A cidade de Watch_Dogs é grande e bastante variada. Tem realmente muita coisa para ser feita, mas a maioria não altera nada a não ser dar dinheiro ou mais pontos de experiência, que são convertidos em pontos de habilidade para serem gastas em uma árvore de habilidades, que se divide em várias partes, como habilidade com armas, direção, hackeamento e criação de itens.
É sempre interessante passear pela cidade explodindo alguma coisa ou ir perfilando e hackeando as pessoas e obtendo dinheiro (sinceramente, achei um tanto inútil, além de poder desbloquear carros e comprar peças para fazer itens). Para quem é mais paciente, as conversas entre as pessoas hackeadas podem render boas risadas.
Há vários minigames divertidos espalhados, várias missões paralelas, que surgem na tela quando nos aproximamos do local, tudo isso nos convidando a desviar do caminho em linha reta da história e nos divertir por Chicago. Acho que o propósito de um sandbox é justamente esse.
Prenda-me se for capaz
A polícia estará atrás de Aiden muitas vezes durante o jogo, seja por causa de missões ou por causa de tocar o terror pela cidade. Apesar de ser difícil de escapar da polícia, especialmente quando vem até helicópteros atrás do jogador, escapar não levará tanto tempo, visto que, com a possibilidade de hackear o ctOS a todo momento, a polícia logo vai ficando para trás, mesmo que ela adote vários meios de tentar cercar o veículo de Aiden.
Várias são as artimanhas possíveis para despistar a polícia ou perseguidores: levantar bloqueios nas ruas, entrar em uma garagem, despistar por vielas entre prédios, causar um apagão e se esconder… mesmo que a dirigibilidade do jogo não seja das melhores, ainda assim causar uma perseguição policial é muito legal, devido à cidade estar à sua disposição.
Explosão de downgrade
Ok, vamos aos fatos: o produto final de Watch_Dogs, em relação a gráficos e tecnologia, não é o que foi prometido em 2012. O chamado downgrade foi enorme e o jogo ser crossgen (ou seja, saindo para Playstation 3 e Xbox 360 ainda, e em breve para o Wii U) facilitou que isso acontecesse. Veja o trailer citado abaixo:
Entretanto, Watch_Dogs ainda é um jogo bonito (ao menos na versão do PC, que foi onde joguei). Temos bons efeitos de explosão e a fumaça espessa que o jogo mostra também é muito bonita, além da chuva ser um espetáculo à parte (e a noite é muito mais bonita do que o dia de Watch_Dogs). A Ubisoft também trabalhou bem nas cutscenes ingame, que têm o gráfico ligeiramente melhorado em relação ao jogo. Outro ponto positivo são as expressões faciais.
O maior problema do jogo, no entanto, é ser muito mal otimizado. A Ubisoft já é conhecida por ports pesados e com Watch_Dogs não foi diferente. Mais uma vez, o jogo ser crossgen certamente influenciou nisso. Até mesmo nos consoles PS4 e Xbox One o jogo não está bem otimizado, rodando a menos de 1080p em ambos. Felizmente, patches foram aplicados e a experiência no PC melhorou, mas rodar com tudo no ultra em uma boa fluidez nem máquinas de mais de 10 mil reais conseguem, devido ao port pesadíssimo.
ctMUSIC
O jogo tem uma vasta seleção de músicas licenciadas, com vários artistas conhecidos, especialmente do pessoal mais jovem (como o Vampire Weekend) e é possível escolher quais músicas queremos que toque na playlist do smartphone de Pearce. Não gosta de hip hop? Só entrar nas configurações do aplicativo de música ingame e tirar todas elas da playlist.
No entanto, é difícil alcançar o nível de maestria com o qual GTA faz suas rádios. Apesar de vez ou outra um boletim especial tocar (mesmo que não estamos ouvindo uma rádio, mas sim uma playlist em mp3), dando notícias, as rádios da série da Rockstar têm um nível mais alto, especialmente de músicas licenciadas.
As músicas originais, compostas para o jogo, são aceitáveis, mas nada muito memoráveis, apesar de darem bem o tom às partes em que tocam, especialmente em perseguições policiais.
Se não fosse o marketing…
Acho incrível como, ao escrever sobre o jogo, eu vejo como ele fez tanta coisa certa. Acho que, agora, terminando a análise, comecei a gostar mais de Watch_Dogs. Mas sei que, na verdade, isso é só impressão.
Apesar de fazer tudo direitinho e dar uma experiência diferente pela cidade, o marketing da Ubisoft conseguiu destruir o jogo. Foram tantos trailers, tantas promessas que, quando eu joguei, achei tudo mediano. Não tinha nada demais mesmo, e realmente não tem.
A empresa conseguiu fazer uma propaganda desleal com o próprio jogo. Eu teria gostado mais se o jogo tivesse tido uma propaganda menor, e não fosse considerado pela própria Ubisoft como o elo perdido entre a geração passada e a nova. Sleeping Dogs, por exemplo, outro jogo sandbox (e que tem Dogs no nome), foi uma experiência cheia de surpresas boas, enquanto Watch_Dogs não trouxe nenhuma sensação de boa surpresa, pois praticamente tudo o que fazemos no jogo já tínhamos visto em trailers passados, além do downgrade visual e de gameplay que o jogo sofreu.
Acredito que um Watch_Dogs 2 tenha chances de se sobressair e consertar bastante coisa do primeiro (a começar pela equipe de publicidade da Ubisoft), especialmente se fizer um enredo mais atraente, nos entregando um novo personagem (ou o mesmo Aiden Pearce em outra época, sem seu draminha familiar, mais mercenário).
Se você não sabe nada sobre Watch_Dogs e não viu nenhum trailer, nenhuma propaganda, nem nada, certamente vai gostar mais do que eu. Vendo o quanto eu falei bem do jogo aqui na análise, certamente parece uma excelente experiência. No entanto, as expectativas que a Ubisoft plantou em todos os jogadores não foram alcançadas, o marketing agressivo e burro da empresa vendeu bem o jogo, porém certamente deixou um gosto amargo em muita gente que esperava o que justamente a empresa propagandeou.